O programa do simpósio Metformina 3 Gerações incluiu um debate provocador, sobre quando referenciar o doente diabético para cuidados hospitalares. A comunicação e a articulação de cuidados são uma preocupação actual e permanente e muitos desses aspectos têm vindo a ser trabalhados nas unidades coordenadoras funcionais e nsa unidades integradas de diabetes.
Neste debate, cada um dos participantes “defendeu a sua dama”, mesmo que a sua posição pessoal não fosse inteiramente coincidente com o cenário partilhado. Porque, “por vezes, os cenários têm que ser extremados para se compreender o que está efectivamente em causa”, justificou Davide Carvalho que, juntamente com o vice-presidente da ARS do Norte, Rui Cernadas, moderou esta discussão.
Sabendo que 21,8% dos portugueses com diabetes seguidos no SNS têm HbA1c > 8% – sendo 22,4% acompanhados nas unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP) e 21,3% nas unidades de saúde familiar (USF) – e, por outro lado, admitindo que alguns destes terão por HbA1c-alvo 7%, o que podemos fazer para melhorar este número e evitar o aparecimento de complicações da diabetes? A endocrinologista do CHSJ e professora da FMUP, Paula Freitas, sustentou que a referenciação para cuidados hospitalares pode ser a resposta nos casos de HbA1c > 8%, conforme recomendado na norma de orientação clínica (NOC) para o tratamento da DM2.
Por sua vez, o presidente do Conselho Clínico do ACES Porto Oriental, Júlio Rêgo, defendeu a referenciação hospitalar do diabético em caso de presença de complicações, apresentando alguns dados que mostram que “40% das pessoas com diabetes vêm a desenvolver complicações tardias”, sendo que estas “desenvolvem-se de forma silenciosa”. No que concerne ao pé diabético, uma das complicações mais frequentes (25% dos doentes apresentam risco), o responsável advogou – com base nas NOC – que “todos os diabéticos devem fazer uma avaliação anual dos pés com o seu médico/enfermeiro)”. Perante um pé de risco médio (presença de neuropatia), a vigilância deve ser mais apertada (de seis em seis meses) e deve ponderar-se a referenciação para consulta específica. No entender de Júlio Rêgo, esta referenciação é mandatória em pés de alto risco (presença de isquemia ou neuropatia com deformidades do pé, história de úlcera cicatrizada ou amputação prévia).
Poderá a baixa taxa de insulinização registada em Portugal ser motivo para envio do diabético para o hospital, no momento da introdução da insulina no esquema terapêutico? Neste debate, o endocrinologista do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Centro Hospitalar do Porto (CHP), Jorge Dores, sustentou que o doente deve ser enviado para o hospital quando vai iniciar a insulinoterapia – sobretudo devido à enorme insulino-resistência por parte do doente e ao risco acrescido de hipoglicémia –, mas também aquando da intensificação desta terapêutica.
Ao médico de família da USF Ermesinde, Luís Sousa, coube defender o “nunca” como resposta à questão que deu título à discussão, justificando esta posição com a “completa e adequada vigilância de que são alvo os diabéticos nos CSP”. De acordo com este especialista, há várias alternativas à referenciação – mesmo em diabéticos com complicações, HbA1c com níveis indesejados ou que vão iniciar insulina –, nas quais, em última análise, se contempla a articulação dos CSP com os cuidados hospitalares por via da formação, consultadoria ou contacto directo.
Publicado em 7 de Maio de 2015, por Jornal Médico